Covid-19 e o silêncio

Christine Rutherford
19/3/2025
2 minutos

São 20 anos dessa prática. Convivendo com situações difíceis, de limite entre vida e morte muitas vezes. Mas o brilho nos olhos esteve sempre presente, nos meus e nos daqueles que compartilham esse dia a dia da UTI.Sempre foi sobre lidar com dores, das mais diversas, mas sabendo do impacto positivo na vida das pessoas que por ali passavam. Fosse porque a tão esperada recuperação viesse, ou porque o acolhimento e estar junto fizessem a diferença ao passar pelo sofrimento.A UTI pra mim. sempre foi um lugar de muita vida. Vida de quem ali trabalha se dedicando de corpo e alma para salvar outras vidas. Vida que pulsa em cada um dos pacientes que luta pela recuperação. Vida que se finda, quando chega o momento final. Vida dos familiares que ali transitavam e que passam a contar com o apoio daqueles que cuidam, e que não cuidam somente do paciente que está no leito. Vida. Vidas.Hoje, Dezembro de 2020, esse brilho nos olhos foi substituído pelo medo, exaustão, silêncio. O mesmo empenho e dedicação dos profissionais, mas agora precisando tirar forças, sem saber de onde…tendo que lidar com uma realidade de muito medo. Pacientes com medo da possibilidade de morte. Pacientes com medo da morte, sozinhos. Familiares com medo da perda. Profissionais com medo de adoecer, com medo de morrer. Profissionais com medo de transparecer o medo. Silêncio. Um silêncio por vezes ensurdecedor.Desejo de retorno a um mínimo de normalidade, mas com a dúvida sobre se isso será possível…as marcas estão presentes, nos rostos, na alma.O refúgio precisa ser interno. Do lado de fora não tem calmaria. O silêncio precisa ser outro, silêncio pra se ouvir, se acolher, encontrar um lugar interno de quietude. Encontrar suporte nos pés no chão. Apoiar e ser apoiado por quem está ao lado, vivenciando esse mesmo momento. Acolher o próprio medo e assim poder encontrar o medo que habita no outro, sem julgamento. Reconhecer as próprias fragilidades para abrir espaço para a compaixão.Esperar que essa compaixão possa estar presente entre aqueles que não vivenciam a rotina do hospital. Entre os que circulam pra lá e pra cá apenas pelo desejo de se sentirem livres, sem nenhum bom senso ou consciência do que é realmente necessário.Aos que já exercitam a compaixão por si mesmos e pelo outro, agradeço. Aos que não percebem que a compaixão é o único caminho possível, espero que despertem.

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