Fazia tempo que ela não abria o jornal pra ler. Assistir ao noticiário então…nem lembrava quando tinha sido a última vez. Mas naquela quinta-feira, por alguma razão, decidiu dar uma olhada no jornal que estava na porta do vizinho.Pensou um pouco antes, com receio de que talvez o vizinho pudesse abrir a porta. Mas disse pra ela mesma “é só uma espiada na primeira página”. E de repente se depara com a manchete de capa: “Efeitos da pandemia: Brasil apresenta um dos maiores índices de diagnósticos de ansiedade e depressão dos últimos anos.” Aquela manchete foi como um soco na boca do estômago. Perdeu o ar por alguns instantes e em seguida começou a ler o textinho inicial tentando entender se era aquilo mesmo. O elevador chegou enquanto ela ainda lia, sem acreditar que aquilo fosse real, apesar de saber dentro dela que era sim a realidade.Ana senta no chão em frente ao elevador que já desceu vazio e tenta respirar fundo, mas o ar não chega. A cabeça revirada e o pensamento recorrente “Como passei a ser parte de estatística? Alguém sabe o que está acontecendo comigo?”. Aos poucos vai conseguindo voltar a respirar, se levanta e chama o elevador novamente. Está atrasada pro plantão, não dá tempo de ficar parada tentando se recompor. A cabeça não para. “Não tinha nada que ter olhado aquele jornal! Não precisava ter passado por mais essa!”.Enfermeira, trabalhando em UTI desde que se formou, Ana lembra dos tempos em que seu trabalho a enchia de orgulho e satisfação. Sempre quis ser enfermeira e trabalhar em terapia intensiva era seu sonho já na faculdade. Realizar esse sonho logo depois de pegar seu registro profissional foi motivo de muita celebração há mais de 15 anos atrás. Mas hoje, essa alegria foi substituída por muita angústia e desesperança. Ana, como tantos outros profissionais de saúde, está exausta, com muito medo, sem saber como seguir adiante.Se deu conta poucos meses atrás, que de repente não conseguia mais se levantar pra trabalhar sem chorar antes de sair da cama. Sentia pavor de se imaginar novamente no ambiente da UTI, que agora estava completamente diferente, sem vida. Concluiu que talvez precisasse de ajuda e ao consultar um amigo médico, ele foi categórico: “Ana, isso é Burnout, não tenho dúvidas. Muitos estão adoecendo e você precisa buscar tratamento o quanto antes.”. Conversaram longamente sobre o diagnóstico, falaram sobre depressão, crises de ansiedade…e agora isso estava estampado na primeira página do jornal.No caminho pro trabalho, ela foi pensando sobre o que tinha lido, lembrando da consulta com seu amigo, do início do seu tratamento que agora está completando 1 mês. Pensou em todas as outras pessoas que assim como ela estão agora fazendo parte dessa estatística e suspirou. Desejou profundamente que cada uma delas pudesse encontrar em seu caminho um braço estendido pra dar apoio, assim como ela recebeu. Por alguns instantes ficou feliz por saber que as pessoas que estão em sofrimento foram também notadas, percebidas. Parte dela se deu conta de que estar na estatística talvez possa ser um primeiro passo pra que todos possam receber ajuda, tratamento adequado. Pensou que talvez a estatística seja necessária pra que os números possam se tornar pessoas, vidas, que precisam ser notadas e acolhidas. Depois de muitos meses de angústia, conseguiu perceber nela o retorno da esperança. Encontrou novamente aquela sensação de confiança de que tudo pode voltar a ficar bem, e sorriu.
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